Unicentro desenvolve pesquisa inédita sobre Síndrome do Triplo X

01/10/2025 11H44

Um grupo de estudantes de Medicina da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), liderado por Jared Pereira Silva, deu início a uma pesquisa inédita sobre a Síndrome do Triplo X. A proposta, idealizada por Jared a partir de uma experiência pessoal, ganhou forma após o convite feito à bióloga professora Rafaela Rosa Ribeiro, que aceitou orientar o trabalho. O estudo, intitulado “Síndrome do Triplo X sob uma nova perspectiva”, já foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade e busca dar visibilidade a uma condição genética rara e ainda pouco conhecida.

A síndrome é caracterizada pela presença de um cromossomo X adicional (47,XXX) em mulheres.

Embora muitas vezes não apresenta manifestações graves, pode estar associada a comorbidades endócrinas, ósseas, psiquiátricas e autoimunes, afetando a autonomia, a independência e a qualidade de vida. O problema, segundo Jared, vai além dos aspectos clínicos: “Existe um silenciamento pelo aspecto da raridade. A falta de informação leva ao apagamento de direitos e à negligência das vivências dessas mulheres”, explica.

O projeto reúne uma equipe multiprofissional e interinstitucional que amplia o olhar sobre a Síndrome do Triplo X. A orientação principal é da bióloga Rafaela da Rosa Ribeiro, ao lado do biomédico professor Mateus Lucas Falco. Também fazem parte os estudantes de medicina Aiessa Dalgallo (Campo Real), Amílcar Silva e Esdras Paganeli Cabral (Unicentro), além da terapeuta ocupacional Eduarda Barboza (UFPR), que contribui com a perspectiva das vivências de pessoas com síndromes raras. Para Jared, essa rede é essencial: “É com base no apoio de uma equipe de pesquisa multiprofissional que estamos trilhando uma nova perspectiva sobre a Síndrome do Triplo X”, destaca.

A ideia da pesquisa nasceu em uma aula de genética, ministrada pela professora Rafaela, mas a motivação foi além da sala de aula. A escolha está ligada a sua própria família: Nina, sua prima, foi diagnosticada com a síndrome ainda criança. “De perto, pude ver quais complicações estão atreladas ao diagnóstico de uma síndrome rara. Esse convívio despertou em mim a necessidade de buscar mais conhecimento e dar voz a essas mulheres”, afirma.

A mãe de Nina, Lisiane Bernardi, lembra que o momento do diagnóstico foi confuso e solitário: “Fui procurar informações e era tudo muito restrito, repetitivo e, muitas vezes, até errado. Não havia fotos atuais, nem relatos de outras famílias, e isso foi muito difícil”. Diante da ausência de espaços de acolhimento, Lisiane decidiu criar, há oito anos, um grupo nacional de mulheres com a Síndrome do Triplo X. Hoje, a rede conecta brasileiras de diferentes estados e até mulheres que vivem no exterior. “Não é um grupo formal, é de apoio e troca de experiências. Ali uma ajuda a outra a compreender e enfrentar os desafios do dia a dia”, conta.

Para ela, pesquisas como a de Jared são fundamentais para ampliar o diagnóstico e a compreensão da síndrome: “Apenas 10% das mulheres são diagnosticadas. Muitas só descobrem na vida adulta, ao enfrentar dificuldades para engravidar. Esse tipo de estudo abre portas, ajuda os médicos a entenderem mais e dá às famílias a chance de compreender suas próprias histórias”, afirma.

O estudo é desenvolvido em três fases. A primeira, já concluída, envolveu um levantamento bibliográfico nas principais bases científicas, como PubMed, LILACS e SciELO. O resultado revelou a escassez de pesquisas sobre a síndrome, sobretudo no Brasil. “Encontramos pouquíssimos artigos, e a maioria são estudos estrangeiros, principalmente da Dinamarca. Isso mostra a desigualdade informacional e como isso impacta diretamente o diagnóstico no país”, aponta Jared.

Na segunda etapa, em andamento, o projeto coleta relatos de mulheres diagnosticadas com a síndrome e de seus familiares. O questionário, elaborado com apoio da terapeuta ocupacional Eduarda Barboza, busca compreender desde o momento do diagnóstico até questões mais subjetivas, como percepções sobre limitações e experiências de vida. A última etapa será a divulgação científica dos resultados, tanto em artigos quanto em materiais acessíveis ao público geral, para ampliar a conscientização.

A iniciativa já tem gerado repercussão. Jared conta que recebeu inúmeras mensagens de apoio de famílias e mulheres que convivem com a síndrome. Uma mãe relatou: “Eu como mãe de uma menina com a síndrome triplo X me sinto representada. Esse estudo é uma luz de conhecimento que pode transformar vidas”.

Além das mães, mulheres que convivem com a condição também têm encontrado voz na troca de experiências. É o caso da professora Roberta Camargo Gomes, de Bragança Paulista (SP). Diagnosticada após dificuldades para engravidar, ela recorda a sensação de isolamento: “Fiquei perdida, porque não havia informações confiáveis. Só consegui entender melhor quando entrei no grupo da Lisiane”.

Hoje, Roberta fala abertamente sobre a síndrome e compartilha sua trajetória como forma de inspirar outras famílias. “As mães se surpreendem por eu ser professora há 23 anos, já que uma das características é a dificuldade de aprendizagem. Eu demorei para ler e escrever, mas superei e hoje ensino crianças. Penei muito quando era pequena, mas consegui vencer. Agora consigo orientar e confortar outras mães”, afirma.

Mesmo diante de preconceitos, como a demissão após revelar sua condição em um emprego, Roberta prefere encarar a vida com confiança: “Ainda noto alguns olhares, mas não ligo. Sou feliz! A diferença genética não diminui o valor de ninguém, pelo contrário, nos lembra da diversidade que torna a humanidade mais rica”, afirma.

Histórias como a dela reforçam a importância da pesquisa em andamento. Nos próximos meses, a expectativa é expandir a coleta de relatos e avançar para a análise dos dados, com o objetivo de estabelecer novos referenciais que apoiem a comunidade científica, os profissionais de saúde e, principalmente, as mulheres e famílias afetadas.


Por Helena de Julio, com supervisão de Giovani Ciquelero

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